terça-feira, 14 de agosto de 2012

O Nascimento da Tragédia - Nietzsche


O Nascimento da Tragédia (Die Geburt der Tragödie, 1972)

Nietzsche recuperou dos gregos a oposição entre Apolo e Dioniso: pai das artes plásticas o primeiro, da arte musical o segundo. Estas divindades personificavam dois instintos que, antes de se exprimirem na arte, se manifestavam naturalmente no homem, um no sonho, outro na embriaguez. É o instinto apolíneo que cria o mundo de sonho e de beleza dos deuses olímpicos. Este mundo não deve, no entanto, levar a acreditar em uma pretensa serenidade grega. Os gregos tinham, pelo contrário, uma perspectiva profundamente pessimista da existência, revelada pelos poemas pré-homéricos. Só puderam viver colocando diante deles um ecrã1 de imagens com a existência triunfante dos olímpicos. Esta criação pode ser interpretada de um ponto de vista metafísico. O Ser é o “original”, sofrimento e contradição. Ele tenta libertar-se do seu sofrimento pelo êxtase de uma visão, que constitui a “aparência”. A aparência é antes de mais o mundo empírico, mas depois, criando-se uma aparência de uma aparência, o sonho surge para mitigar o sofrimento original.
A tragédia grega representa a união de duas forças, a apolínea e a dionisíaca. Na sua origem encontramos o coro dos sátiros, cantando um ditirambo2 em honra de Dioniso. Mergulhados na embriaguez dionisíaca, os coristas sentiam-se sátiros e diziam os sofrimentos e glórias do deus. Ao mesmo tempo, sob o efeito da força apolínea, viam este deus aparecer. Na tragédia clássica, a de Ésquilo e de Sófocles, descobre-se sob o véu da beleza apolínea um fundo de pensamento dionisíaco: os seus heróis são somente máscaras do deus. Mas a tragédia morre quando Eurípides, sob a influência de Sócrates, introduz nela um racionalismo otimista estranho ao seu espírito.
Nietzsche trata do mito trágico. A música engendra imagens que são exemplos particulares do que exprime em geral. Ela engendrou na Grécia mitos trágicos como imagens simbólicas da sabedoria dionisíaca que exprimia. É esta sabedoria que no ensino o mito: ele mostra-nos os sofrimentos e a morte do herói, mas através desta destruição de um indivíduo, faz-nos sentir a vida que é indestrutível. E é por isso que sentimos felicidade nesse espetáculo. A nossa cultura racionalista, assim o é desde Sócrates, duvida agora dos seus fundamentos e sofre de esterilidade. Mas o espírito dionisíaco sobreviveu na música alemã: ele manifesta-se no drama wagneriano e pode inspirar uma nova cultura.


1 Uma tela ou ecrã (que registra ainda a grafia écran) é uma superfície esticada, feita com tecido ou vidro, utilizada para cobrir um vão ou projetar uma imagem sem impedir a passagem de luz.
2 Nas origens do teatro grego, o ditirambo (do grego dithýrambos, pelo latim dithyrambu) era um canto coral de caráter apaixonado (alegre e sombrio), constituído de uma parte narrativa, recitada pelo cantor principal, ou corifeu, e de outra propriamente coral, executada por personagens vestidos de faunos e sátiros, considerados companheiros do deus Dioniso, em honra do qual se prestava essa homenagem ritualística.

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