segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Baudelaire e a modernidade


Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — 31 de agosto de 1867) foi um grande poeta e teórico da arte francesa. É certamente considerado um dos precursores do simbolismo, mas é reconhecido realmente como o fundador da tradição moderna em poesia. Como sabemos, a importância de Baudelaire na tradição literária do ocidente consiste não só na instauração da Modernidade, mas também em seus conceitos filosóficos e literários. Que se caracterizam pela dialética de razão e paixão no nível da estrutura e do sentido da construção poética.
Pode-se indicar a partir daí, que a busca pela harmonia dessas duas potências extremas, consideradas estanques durante toda a tradição do pensamento ocidental, a saber, razão e paixão, é a busca pelo equilíbrio da vida em si mesma. Afinal, não é possível promover a separação dos contrários em tudo o que se manifesta no fazer humano e na vida cósmica em geral. Muito pelo contrário, a vida se dá através dessa tensão, desse devir [1], dessas essências opostas que vão de encontro uma da outra, daí a necessidade de vir a ser do homem.
Baudelaire busca o equilíbrio, a junção, uma espécie de livre jogo [2] entre as duas “pulsões” que pressionam a nossa existência. Ele aplica uma harmonização de contrários em seu fazer poético, colocando no mesmo patamar razão e desejo. Podendo assim nos mostrar através de sua arte o que se fazia presente nos principais conflitos de sua vida. Tais conflitos eram tratados com muita sinceridade pelo poeta, demonstravam a sua preocupação com a realidade que estava vivendo, um cotidiano que contrastava com o seu interior.
O poeta confrontou assim, sua imagem de artista a uma imagem de herói e desde o início uma intercede pela outra, nos diz Benjamim [3]. Baudelaire era cercado por uma realidade de mudanças tanto na estrutura da sociedade, como nas necessidades do sujeito. Na da vida urbana, com a instauração de uma nova ordem burguesa e capitalista, que acabaram por chocar o sujeito desse tempo. E, enquanto nova ordem era constituída, evidenciava-se no indivíduo uma nova base de estruturas modernas.
A construção dessa nova realidade, que além de expor os contrastes sociais, também contrastava o indivíduo com a multidão, levou o pensamento a outro lugar comum. Pois ao chegar à rua o sujeito urbano perde completamente sua individualidade e passa a ser simplesmente mais um na multidão. E o poeta acrescenta na passagem seguinte uma série de outros detalhes que se passavam.


Não importa o partido a que se pertença é impossível não ficar emocionado com o espetáculo dessa multidão doentia, que traga a poeira das fábricas, inspira partículas de algodão, que se deixa penetrar pelo alvaiade, pelo mercúrio e todos os venenos usados na fabricação de obras-primas... Essa multidão de consome pelas maravilhas, as quais, não obstante, a Terra lhe deve. Sente borbulhar em suas veias de tristeza à luz do Sol e às sombras dos grandes parques. (BENJAMIN, p. 73, 1989)


Após essa passagem o autor assim coloca: “A Modernidade”. Então presenciamos neste momento a modernização do comércio que traz para o parisiense mais uma inovação, com galerias e vitrines iluminadas que ao mesmo tempo expunham a mercadoria e fascinavam aquele que vagava pelas ruas. E também havia o incrível espaço da reflexão que além de expor o sentimento de uma era, remontava a antiguidade, exibindo mais uma vez o frescor do moderno. O que traz à cena o flâneur, muitas vezes retratado nas obras de Baudelaire. Este errante que se entrega a compulsão de sujeito urbano, que passeia prazerosamente sem destino pelas galerias e ruas, mas ao mesmo tempo não perde sua natureza inumana.
           
Assim ele vai, corre, procura. O que? Certamente esse homem, tal como o descrevi, esse solitário dotado de uma imaginação ativa, sempre viajando através do grande deserto de homens, tem objetivo mais geral, diverso do prazer efêmero da circunstância. Ele busca esse algo, ao qual se permitirá chamar de Modernidade; pois não me ocorre melhor palavra para exprimir a ideia em questão. Trata-se, para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de poético e de histórico, e de extrair o eterno do transitório. (BAUDELAIRE, 1996, p. 25)

Em meio toda essa experiência nova, onde o sujeito se defrontava com a multidão e com a velocidade de mudanças na sociedade, Baudelaire viu-se na responsabilidade de refletir sobre os acontecimentos de seu mundo. Ao trabalhar as transformações o autor traz à tona contrastes sociais outrora camuflados, expondo a dualidade presente na arte e na vida.
O poeta afirma que o homem do mundo, ao contrário de estar submetido a uma área específica, passa a apreciar assuntos do mundo inteiro. E esse mesmo homem retira da moda atual e de seu momento histórico o que tem de poético, portanto, retira do transitório o que tem de eterno para alcançar a essência do belo. “A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável.” (BAUDELAIRE, 1996, p. 26)


[1] Devir é um conceito filosófico que diz respeito à mudança constante, a inconstância.
[2] Essa expressão é usada pelo filósofo Immanuel Kant, na Crítica da Faculdade do Juízo, quando propõe que o sentimento que envolve a beleza provoca um acordo entre as faculdades cognitivas do sujeito, a saber, imaginação e entendimento. O livre jogo é entendido por Kant como a harmonia presente entre as faculdades diante da beleza. Quando algum objeto é chamado belo, há um acordo entre as duas faculdades. O entendimento não determina nenhum conceito, pois afinal não é um juízo de conhecimento, e a imaginação vai além de um papel pré-determinado pelo entendimento de simplesmente apresentar uma imagem para algum conceito. Sendo assim, a imaginação é livre e o entendimento indeterminado, analogamente é o que Baudelaire faz em sua poesia, harmonizando os conflitos, as paixões e as vontades, com a razão, com a ordem e a forma. A forma de sua poesia é reta, racional, mas o conteúdo das mesmas se referem às vontades, aos desejos.
[3] Walter Benjamin foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo alemão. E tem parte da sua obra dedicada a Charles Baudelaire, o principal livro chama-se Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, e é à luz das reflexões de Benjamin acerca de Baudelaire que vamos analisar a arte literária do poeta.

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