Qual
a origem da desigualdade entre os homens? Será ela sancionada pela lei natural? A intenção de responder a estas questões —
que foram propostas, em 1753, pela Academia de Dijon — Jean-Jacques Rousseau, afastando-se
da atividade dos homens em sociedade, buscou o silêncio do campo. Ao distanciar-se
em uma propriedade rural, longe dos confortos da cidade e próximo aos apelos da
natureza. Vivendo um ritmo lento e imemorial em que crescem as plantas e
através do qual desaparecem os animais, o filósofo tentou reviver mentalmente o
estado primitivo da espécie humana. Rousseau buscava pensar a vida humana antes
mesmo do advento das primeiras comunidades organizadas. Tal esforço imaginativo
e criativo resultou uma obra de cunho reflexivo, que provoca inspiração para
todos aqueles que procuram uma saída para as desgraças humanas: o Discurso
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.
O homem, animal entre
os animais, cuja vida situava-se como que fora do tempo, em uma comunhão integral
com a natureza. Como animal, era guiado seguramente pelos instintos, e por aptidões
suficientes para suprir as únicas e verdadeiras necessidades: alimentação, impulso
à procriação, e o singelo amor-de-si, que ditava uma espécie
de preservação da própria vida. Ao descrever este estágio da humanidade, Rousseau
diz:
Os únicos bens que [o homem] conhece no universo
são o alimento, uma fêmea e o repouso; os únicos males que teme são a dor e a
fome; digo a dor e não a morte, pois jamais o animal saberá o que é
morrer, e o conhecimento da morte e de seus terrores é uma das primeiras
aquisições que o homem fez, aos se distanciar da condição animal. (Discurso
sobre a desigualdade, Primeira Parte, §18).
As palavras usadas
pelo filósofo nos fazem refletir sobre algumas questões fundamentais, a mais
evidente delas é: de que modo ocorreu este distanciamento? De que maneira tal desligamento
do fluxo natural permitiu o despertar para uma condição que era fundamental ao
homem? Por que o homem é capaz de prever sua destruição iminente na morte? O
animal não sabe o que significa morrer, não pode destacar do momento em que
vive sua própria existência. Como homem, seguindo suas puras disposições
naturais com o auxílio da imaginação, passa a colocar-se no tempo e no
espaço.
A partir daí podemos
notar que o ser natural é aquele em sendo um com a Natureza em
seu conjunto, não podendo separar-se, enfim, em um eu que o
distinga de um outro. Rousseau, caracteriza esta faculdade
especificamente humana, a qual permite fugir à corrente dos instintos, de liberdade.
A liberdade, então, se mostra como um desvio que provoca no homem uma possibilidade
de saída para fora de si mesmo. A liberdade é condição sem a qual, o homem não
seria capaz de progredir e aperfeiçoar-se, mas determina também o afastamento
radical em relação à suas origens, a separação do paraíso terrestre em que se
encontrava inicialmente.
Neste ponto de sua
trajetória, o homem assume completamente a sua própria história e pode dispor
tanto de seu passado (pelo uso da memória) como de seu futuro (no qual é capaz
de projetar-se com as ações que imagina). No entanto para essa tomada de
consciência foi necessário que o homem, partindo de uma vivência simples que se
resolvia quase que imediatamente, se voltasse a um modo de vida mais complexo e
pleno transferindo isso para o meio em que vivia. A exterioridade do contato
direto com as coisas da natureza (e com os outros indivíduos) que não deixava
vestígios, se desdobra em uma consciência cada vez mais complexa e plena do
ambiente que o circundava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário