Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — 31 de
agosto de 1867) foi um grande poeta e teórico da arte francesa. É certamente
considerado um dos precursores do simbolismo, mas é reconhecido realmente como
o fundador da tradição moderna em poesia. Como sabemos, a
importância de Baudelaire na tradição literária do ocidente consiste não só na
instauração da Modernidade, mas também em seus conceitos filosóficos e
literários. Que se caracterizam pela dialética de razão e paixão no nível da
estrutura e do sentido da construção poética.
Pode-se indicar a
partir daí, que a busca pela harmonia dessas duas potências extremas,
consideradas estanques durante toda a tradição do pensamento ocidental, a
saber, razão e paixão, é a busca pelo equilíbrio da vida em si mesma. Afinal,
não é possível promover a separação dos contrários em tudo o que se manifesta
no fazer humano e na vida cósmica em geral. Muito pelo contrário, a vida se dá
através dessa tensão, desse devir [1],
dessas essências opostas que vão de encontro uma da outra, daí a necessidade de
vir a ser do homem.
Baudelaire busca o equilíbrio, a junção,
uma espécie de livre jogo [ entre as duas “pulsões” que pressionam a nossa existência. Ele aplica uma
harmonização de contrários em seu fazer poético, colocando no mesmo patamar
razão e desejo. Podendo assim nos mostrar através de sua arte o que se fazia
presente nos principais conflitos de sua vida. Tais conflitos eram tratados com
muita sinceridade pelo poeta, demonstravam a sua preocupação com a realidade
que estava vivendo, um cotidiano que contrastava com o seu interior.
O poeta confrontou assim, sua
imagem de artista a uma imagem de herói e desde o início uma intercede pela
outra, nos diz Benjamim [.
Baudelaire era cercado por uma realidade de mudanças tanto na estrutura da
sociedade, como nas necessidades do sujeito. Na da vida urbana, com a
instauração de uma nova ordem burguesa e capitalista, que acabaram por chocar o
sujeito desse tempo. E, enquanto nova ordem era constituída, evidenciava-se no
indivíduo uma nova base de estruturas modernas.
A construção dessa nova
realidade, que além de expor os contrastes sociais, também contrastava o
indivíduo com a multidão, levou o pensamento a outro lugar comum. Pois ao
chegar à rua o sujeito urbano perde completamente sua individualidade e passa a
ser simplesmente mais um na multidão. E o poeta acrescenta na passagem seguinte
uma série de outros detalhes que se passavam.
Não importa o partido a que se pertença é
impossível não ficar emocionado com o espetáculo dessa multidão doentia, que
traga a poeira das fábricas, inspira partículas de algodão, que se deixa
penetrar pelo alvaiade, pelo mercúrio e todos os venenos usados na fabricação
de obras-primas... Essa multidão de consome pelas maravilhas, as quais, não
obstante, a Terra lhe deve. Sente borbulhar em suas veias de tristeza à luz do
Sol e às sombras dos grandes parques. (BENJAMIN, p. 73, 1989)
Após essa passagem o autor assim
coloca: “A Modernidade”. Então presenciamos neste momento a modernização do
comércio que traz para o parisiense mais uma inovação, com galerias e vitrines
iluminadas que ao mesmo tempo expunham a mercadoria e fascinavam aquele que
vagava pelas ruas. E também havia o incrível espaço da reflexão que além de
expor o sentimento de uma era, remontava a antiguidade, exibindo mais uma vez o
frescor do moderno. O que traz à cena o flâneur, muitas vezes retratado nas
obras de Baudelaire. Este errante que se entrega a compulsão de sujeito urbano,
que passeia prazerosamente sem destino pelas galerias e ruas, mas ao mesmo
tempo não perde sua natureza inumana.
Assim ele vai, corre, procura. O que? Certamente
esse homem, tal como o descrevi, esse solitário dotado de uma imaginação ativa,
sempre viajando através do grande deserto de homens, tem objetivo mais geral,
diverso do prazer efêmero da circunstância. Ele busca esse algo, ao qual se
permitirá chamar de Modernidade; pois não me ocorre melhor palavra para
exprimir a ideia em questão. Trata-se, para ele, de tirar da moda o que esta
pode conter de poético e de histórico, e de extrair o eterno do transitório.
(BAUDELAIRE, 1996, p. 25)
Em meio toda essa experiência
nova, onde o sujeito se defrontava com a multidão e com a velocidade de
mudanças na sociedade, Baudelaire viu-se na responsabilidade de refletir sobre
os acontecimentos de seu mundo. Ao trabalhar as transformações o autor traz à
tona contrastes sociais outrora camuflados, expondo a dualidade presente na
arte e na vida.
O poeta afirma que o homem do
mundo, ao contrário de estar submetido a uma área específica, passa a apreciar
assuntos do mundo inteiro. E esse mesmo homem retira da moda atual e de seu
momento histórico o que tem de poético, portanto, retira do transitório o que
tem de eterno para alcançar a essência do belo. “A modernidade é o transitório,
o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o
imutável.” (BAUDELAIRE, 1996, p. 26)
Essa expressão
é usada pelo filósofo Immanuel Kant, na Crítica
da Faculdade do Juízo, quando propõe que o sentimento que envolve a beleza
provoca um acordo entre as faculdades cognitivas do sujeito, a saber,
imaginação e entendimento. O livre jogo é entendido por Kant como a harmonia
presente entre as faculdades diante da beleza. Quando algum objeto é chamado
belo, há um acordo entre as duas faculdades. O entendimento não determina
nenhum conceito, pois afinal não é um juízo de conhecimento, e a imaginação vai
além de um papel pré-determinado pelo entendimento de simplesmente apresentar
uma imagem para algum conceito. Sendo assim, a imaginação é livre e o
entendimento indeterminado, analogamente é o que Baudelaire faz em sua poesia,
harmonizando os conflitos, as paixões e as vontades, com a razão, com a ordem e
a forma. A forma de sua poesia é reta, racional, mas o conteúdo das mesmas se
referem às vontades, aos desejos.