O filme é narrado por uma retórica póstuma, onde o personagem principal vê tudo do alto, nos convidando a encarar a vida e a morte nessa perspectiva. O filme retrata o desejo de transformação, ou a transformação pelo desejo de Lester Burnham. O que nos obriga a refletir sobre a ideia de felicidade, seja como parâmetro, seja como longa duração.
Foi na apresentação de sua filha Jane no jogo de basquete que ele apaixonou-se instantaneamente por uma amiga de sua filha Angela Hayes que faz o papel da jovem linda, sedutora e experiente. Queria ser modelo, pois não suportaria ser uma pessoa comum. Dava conselhos e orientações, especialmente a Jane. O desejo que despertou no pai da amiga foi plenamente aceito e fomentado por ela. Lester, profundamente abalado pela beleza e jovialidade de Angela, imaginava-a coberta de pétalas de rosas, uma mistura de delicadeza, sensualidade e desejo.
Mas Lester não desejou somente uma adolescente, virou sua vida, transformando-se no que gostaria de ser. Resolveu seu primeiro problema, que era o trabalho. Ao ser simplesmente despedido, depois de anos de dedicação, como se fosse uma mesa quebrada, não titubeou, chantageou o executivozinho contratado pelo dono da empresa para equanimizar custos, ou seja, ganhar mais e empregar menos. Com dinheiro suficiente partiu para realizar velhos sonhos. Comprou um Mustang vermelho; foi trabalhar numa lanchonete, como nos velhos tempos; passou a fazer musculação; voltou a fumar maconha; passou a ouvir as antigas músicas de sucesso; deu um basta aos jantares monótonos e formais com sua esposa e filha; até comprou um carrinho de controle remoto.
Para renovar seu estilo de vida envelhecido, Lester se perde numa nova perspectiva de vida, lançando-se nas experiências que proporcionavam momentos felizes. O desejo despertado por Angela, aquela que, à princípio, associamos o título do filme, beleza americana. O que ela própria achava de si mesma.
O mesmo não achava o filho do vizinho com sua inseparável filmadora de mão. Para Ricky Fitts era Jane que despertava a beleza. Filmava-a todo tempo. Era como se estivesse o tempo todo confrontando a artificialidade Angela com a bela e tímida naturalidade de Jane. Ele a filmava porque buscava captar com sua câmera a beleza dos acontecimentos, como demonstra na cena do saco plástico voando ao vento. O que entra pelas lentes da câmara, independentemente de seu conteúdo, é algo digno de ser visto e revisto, digno de ser percebido e registrado.
O pai de Ricky exercia sobre ele um controle intenso, com clima de quartel que criou em sua casa, cheio de regras a serem obedecidas por Ricky e por sua mãe, fazia da vida em comum um verdadeiro estado de sítio. Esta rigidez é fruto de um estado neurótico de profunda dissociação, que é responsável pelo desfecho trágico da história.
Lester é morto com um tiro na nuca, contemplando a foto da família. Com o barulho do tiro, Jane e Ricky, que estavam no quarto, desceram para ver o que havia ocorrido. Vêem Lester morto sobre a mesa. Mesmo enquanto morto, ainda estampava em seus lábios a felicidade e a satisfação dos que tentam fazer algo para transformar a própria existência.
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