terça-feira, 17 de abril de 2012

Beleza Americana





O filme é narrado por uma retórica póstuma, onde o personagem principal vê tudo do alto, nos convidando a encarar a vida e a morte nessa perspectiva. O filme retrata o desejo de transformação, ou a transformação pelo desejo de Lester Burnham. O que nos obriga a refletir sobre a ideia de felicidade, seja como parâmetro, seja como longa duração.
Foi na apresentação de sua filha Jane no jogo de basquete que ele apaixonou-se instantaneamente por uma amiga de sua filha Angela Hayes que faz o papel da jovem linda, sedutora e experiente. Queria ser modelo, pois não suportaria ser uma pessoa comum. Dava conselhos e orientações, especialmente a Jane. O desejo que despertou no pai da amiga foi plenamente aceito e fomentado por ela. Lester, profundamente abalado pela beleza e jovialidade de Angela, imaginava-a coberta de pétalas de rosas, uma mistura de delicadeza, sensualidade e desejo.
Mas Lester não desejou somente uma adolescente, virou sua vida, transformando-se no que gostaria de ser. Resolveu seu primeiro problema, que era o trabalho. Ao ser simplesmente despedido, depois de anos de dedicação, como se fosse uma mesa quebrada, não titubeou, chantageou o executivozinho contratado pelo dono da empresa para equanimizar custos, ou seja, ganhar mais e empregar menos. Com dinheiro suficiente partiu para realizar velhos sonhos. Comprou um Mustang vermelho; foi trabalhar numa lanchonete, como nos velhos tempos; passou a fazer musculação; voltou a fumar maconha; passou a ouvir as antigas músicas de sucesso; deu um basta aos jantares monótonos e formais com sua esposa e filha; até comprou um carrinho de controle remoto.
Para renovar seu estilo de vida envelhecido, Lester se perde numa nova perspectiva de vida, lançando-se nas experiências que proporcionavam momentos felizes. O desejo despertado por Angela, aquela que, à princípio, associamos o título do filme, beleza americana. O que ela própria achava de si mesma.
O mesmo não achava o filho do vizinho com sua inseparável filmadora de mão. Para Ricky Fitts era Jane que despertava a beleza. Filmava-a todo tempo. Era como se estivesse o tempo todo confrontando a artificialidade Angela com a bela e tímida naturalidade de Jane. Ele a filmava porque buscava captar com sua câmera a beleza dos acontecimentos, como demonstra na cena do saco plástico voando ao vento. O que entra pelas lentes da câmara, independentemente de seu conteúdo, é algo digno de ser visto e revisto, digno de ser percebido e registrado.
O pai de Ricky exercia sobre ele um controle intenso, com clima de quartel que criou em sua casa, cheio de regras a serem obedecidas por Ricky e por sua mãe, fazia da vida em comum um verdadeiro estado de sítio. Esta rigidez é fruto de um estado neurótico de profunda dissociação, que é responsável pelo desfecho trágico da história.
Lester é morto com um tiro na nuca, contemplando a foto da família. Com o barulho do tiro, Jane e Ricky, que estavam no quarto, desceram para ver o que havia ocorrido. Vêem Lester morto sobre a mesa. Mesmo enquanto morto, ainda estampava em seus lábios a felicidade e a satisfação dos que tentam fazer algo para transformar a própria existência.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Alexander Supertramp - Into the Wild

Na natureza selvagem foi baseado no bestseller com o mesmo nome, escrito por Jon Krakauer, e narra a verdadeira história de Christopher McCandless, um jovem americano farto de uma existência hipócrita e materialista, que após acabar a sua licenciatura com distinção, em vez de seguir uma provável carreira de sucesso, decide cortar todas as suas ligações com a família e a sociedade, partindo à aventura pela América, em busca de um lugar onde possa viver em harmonia com a natureza selvagem, com o objetivo de encontrar a essência do seu ser e a sua felicidade e concluir a “revolução espiritual”.
O filme é incrível, Sean Penn vai intercalando a viagem de McCandless com breves flashbacks do seu passado, narrados em voz off pela irmã. Sean Penn exibe McCandless sem exageros e sem se mostrar tendencioso para o seu lado mais ‘místico’ ou idealista, permitindo a quem vê o filme, formular uma opinião de certa forma impessoal sobre a vida dele. McCandless é mostrado como uma pessoa que faz amigos com grande facilidade, com uma simpatia espontânea, capaz de deixar marcas nas vidas daqueles com que se cruza. Não esconde sua revolta interior, e exibe uma determinação inabalável sobre o objetivo final a atingir, o Alasca. A fotografia do filme é exuberante com paisagens lindas captadas ao longo da sua trilha “On the road’, no Grand Canyon e no Alasca. Salienta-se também a fantástica trilha sonora, da responsabilidade de Eddie Vedder, nos transporta para o caminho buscado por Alex, e para a natureza.
A partir de agora o texto será dedicado para falar de Christopher McCandless, assim, abordarei a história e o final do filme. Não é fácil haver consenso na forma de olhar para a opção de vida tomada por Christopher. Uns acusam-no de egoísmo e superficialidade, considerando a sua atitude de abandonar tudo, sem falar com a família, e partir para o desconhecido, como uma forma de satisfação pessoal e de idealismo ingénuo. Outros, como Jon Krakauer, o autor do livro, admiram o seu lado de aventureiro heróico, a sua coragem inabalável de viver melhor, com simplicidade, tirando partido das pequenas coisas da vida, vivendo aventuras e experiências inesquecíveis, longe de tudo e de todos mergulhando na natureza selvagem; sendo livre e feliz.
Logo após acabar o curso na Universidade de Atlanta, em 1990, Christopher doou os 24 mil dólares que tinha no saldo bancário a instituições de caridade, rasgou seus documentos e desapareceu sem avisar a família, numa viagem que não teria retorno. No seu primeiro contratempo, abandonou seu velho carro um Datsun amarelo, queimou todas as poucas notas que trazia consigo, e partiu a pé em direção a Oeste. Nessa aventura passou a apresentar-se com o nome Alexander Supertramp, partindo em busca de experiências novas e enriquecedoras, influenciado pelos ideais de Henry David Thoreau, Leon Tolstói e Jack London.
Alex viveu com um dor enorme e uma revolta profunda com a sociedade. Mas sobretudo, com uma raiva pelos pais e pela sua relação construída à base de falsas aparências. Essa dor e essa raiva tornaram-no insensível para conseguir escutar um conselho sábio que lhe foi transmitido por Ron Franz. Este homem, que viu nele um neto e afirmou ser capaz de o adotar, disse-lhe “ao perdoarmos é que estamos verdadeiramente a amar”.
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Ron FranzI'm going to miss you when you go.
Christopher McCandlessI will miss you too, but you are wrong if you think that the joy of life comes principally from the joy of human relationships. God's place is all around us, it is in everything and in anything we can experience. People just need to change the way they look at things.
Ron FranzYeah. I am going to take stock of that. You know I am. I want to tell you something. From bits and pieces of what you have told me about your family, your mother and your dad... And I know you have problems with the church too... But there is some kind of bigger thing that we can all appreciate and it sounds to me you don't mind calling it God. But when you forgive, you love. And when you forgive, God's light shines through you.
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Os últimos 4 meses da sua aventura foram passados no Parque Nacional Denali, Fairbanks, no Alasca, sendo um destino que sempre quis atingir desde o início. Numa 5ª Feira de Abril de 1992, sem saber a hora ou o dia, Alex apanhou uma boleia até ao Stampede Trail, um caminho que levava ao interior do Alasca. A única comida que levava era um saco com cinco quilos de arroz. Dispunha de uma carabina com que tencionava caçar para se alimentar, e não levava outro equipamento que pudesse ser adequado ao objetivo a que se propunha, que lhe desse garantias de sobrevivência, no caso de algo correr mal.
No caminho que percorreu no Alasca selvagem, acabou por encontrar no meio do nada, um autocarro abandonado da Fairbanks Transit System. Chamou-o de ‘Ônibus Mágico’ e fez dele a sua casa durante os meses seguintes. Foi nesse ônibus que escreveu várias frases que serviram mais tarde para entender a sua forma de ver o mundo e a sociedade. Fez um diário que manteve na contracapa de vários livros, com cento e treze entradas. Alimentou-se do que trazia, de alguns animais que caçou com sucesso, e de bagas que colheu na natureza. Leu vários livros, rabiscando-os com pensamentos próprios sobre a vida.
Antes de tentar ir para o Alasca, Alex tinha tentado aprender a forma de conservar carne em condições naturais. Essa seria a única forma de ter comida suficiente para sobreviver numa zona inóspita e selvagem. Chegou a caçar um alce e tentou conservar parte da sua carne. Essa tarefa foi um desastre total e Alex acabou um enorme remorso por ter matado o animal, chamando de uma das maiores tragédias de sua vida.
Sabendo, então que não tinha maneira de se alimentar para garantir a sua sobrevivência, Alex decidiu fazer o caminho de regresso para sair do Alasca. Porém, por causa do degelo, um dos rios apresentava uma corrente que o tornavam intransponível no ponto onde ele o abordou. Se Alex tivesse levado um mapa detalhado dessa zona, que poderia ter adquirido em Fairbanks, poderia ficar a saber que esse rio seria facilmente transponível em outra área, ou que existia um abrigo nas redondezas abastecido com alimentos de emergência. Mas como objetivo dele era concluir uma revolução espiritual com a intenção de se isolar completamente da civilização, Alex fez seu próprio mapa, o que ele queria realmente era sobreviver através de seus recursos, e de sua capacidade de lidar com os contratempos. Seu objetivo era ficar sozinho com a natureza distante de qualquer contato ou dependência da sociedade. Alex diante daquele obstáculo se sentiu aprisionado no mundo selvagem que ele tanto queria viver e sentir. Perante esse cenário e sem experiência para encontrar alternativas, optou por regressar ao ‘Ônibus Mágico’ e enfrentar um destino pouco animador.
Christopher McCandless morreu a 18 de Agosto de 1992. Em 6 de setembro de 1992, dois trilheiros e um grupo de caçadores de alce acharam esta mensagem na porta do ônibus: "S.O.S. Preciso de ajuda. Estou aleijado, quase morto e fraco demais para sair daqui. Estou totalmente só, não estou brincando. Pelo amor de Deus, por favor, tentem me salvar. Estou lá fora apanhando frutas nas proximidades e devo voltar esta noite. Obrigado, Chris McCandless."
O seu corpo estava dentro de um saco de dormir, no ‘Ônibus Mágico’. À altura da sua morte, estima-se que o seu peso rondasse os 30Kg. A causa oficial da sua morte foi ‘Morte por Fome’.
Pode um ser humano viver sozinho, isolado de tudo e de todos, e mesmo assim sentir-se feliz? Tal como vem escrito num dos seus livros, sendo algo que Alex talvez tenha percebido tarde demais, “A Felicidade, para ser real precisa ser compartilhada”.  No entanto, Alex morreu feliz; ele próprio escreveu numa entrada no diário, apercebendo-se do seu fraco estado de saúde, “Tive uma vida feliz, e agradeço ao Senhor. Adeus e que Deus vos abençoe a todos”.
Acredito que ele tenha transcendido completamente a maneira de viver dependendo só de si mesmo e da natureza. Muitos o acusam de egoísmo e superficialidade, considerando a sua atitude de abandonar tudo, sem falar com a família, e partir para o desconhecido, como uma forma de satisfação pessoal e ostentação, e até mesmo de suicídio. Krakauer e Sean Penn, e os seus próprios pais rejeitam o suícidio, pois Alex ao deixar a mensagem no ônibus pedindo que o resgatassem claramente não era um suicida, e sim um jovem em busca de uma aventura inesquecível e única. Judith Kleinfeld escreveu no Notícias Diárias do Ancoradouro que "muitos alasquenses reagiram com raiva a essa estupidez apelidada por muitos de "aventura". Tem-se que ser um completo idiota, para morrer de fome no verão a 30 km de distância da estrada do parque, disseram eles."
No entanto, Roman destaca o quão é difícil para qualquer pessoa aventurar-se e fazer o que Alex fez: "Claro, ele fez porcaria. Mas admiro o que estava a tentar fazer. Depender completamente da terra como ele fez, mês após mês, é extremamente difícil. Nunca o fiz. E aposto com vocês que muitas poucas, ou mesmo nenhumas das pessoas que chamaram incompetente a McCandless, também não o fizeram, pelo menos não por mais de uma semana ou duas. Viver no interior da floresta por um longo período, subsistindo apenas do que se consegue caçar e apanhar, a maioria das pessoas não sabe o quanto isso é difícil. E ele quase o conseguiu. Acho que não consigo deixar de me identificar com ele. E tenho a certeza de que há muitos outros habitantes do Alasca que tinham muito em comum com McCandless quando chegaram cá, incluindo muitos dos seus críticos. E talvez seja por isso que são tão severos com ele. Talvez McCandless lhes recorde demasiado como eram."
Alexander Supertrap ou Christopher McCandless, seja como for chamado é um entusiasta da vida e da liberdade. Não acredito em egoísmo muito menos em suícidio, ele enfrentou sozinho situações extremas e sobreviveu, ficou preso em uma armadilha da natureza da qual infelizmente não conseguiu escapar, mas viveu intensamente cada momento de sua vida. Aproveitou ao máximo quebrando as amarras da sociedade mergulhando na natureza selvagem. Vivendo momentos únicos e preciosos, não os compartilhou, no entanto transcendeu a existência em uma experiência de reflexão e entregas únicas.

Two years he walks the earth. No phone, no pool, no pets, no cigarettes. Ultimate freedom. An extremist. An aesthetic voyager whose home is the road. Escaped from Atlanta. Thou shalt not return, 'cause "the West is the best." And now after two rambling years comes the final and greatest adventure. The climactic battle to kill the false being within and victoriously conclude the spiritual pilgrimage. Ten days and nights of freight trains and hitchhiking bring him to the Great White North. No longer to be poisoned by civilization he flees, and walks alone upon the land to become lost in the wild
Alexander Supertramp May 1992


Auto-retrato encontrado na sua máquina fotográfica, tirado perto do momento da sua morte

terça-feira, 3 de abril de 2012

Indústria Cultural

Adorno e Horkheimer (os primeiros, na década de 1940, a utilizar a expressão “industria cultural” tal como hoje a entendemos) acreditam que esta indústria desempenha as mesmas funções de um estado fascista (...) na medida em que o individuo é levado a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do meio social circundante, transformando-se em mero joguete e em simples produto alimentador do sistema que o envolve.”  (COELHO, Teixeira. O que é industria cultural, São Paulo, Editora Brasiliense, 1987, p. 33. Texto adaptado)

O termo indústria cultural (em alemão Kulturindustrie) foi cunhado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), a fim de designar a situação da arte na sociedade capitalista industrial. Membros da Escola de Frankfurt, os dois filósofos alemães empregaram o termo pela primeira vez no capítulo O iluminismo como mistificação das massas no ensaio “Dialética do Esclarecimento”, escrita em 1942, mas publicada somente em 1947.
A Indústria Cultural é o fator primordial na formação de consciência coletiva nas sociedades massificadas, nem de longe seus produtos são artísticos. Isso porque esses produtos não mais representam um tipo de classe (superior ou inferior, dominantes e dominados), mas são exclusivamente dependentes do mercado. Essa visão permite compreender de que forma age a Indústria Cultural. Oferecendo produtos que promovem uma satisfação compensatória e efêmera, que agrada aos indivíduos, ela impõe-se sobre estes, submetendo-os a seu monopólio e tornando-os acríticos (já que seus produtos são adquiridos consensualmente).
Camuflando as forças de classes, a Indústria Cultural apresenta-se como único poder de dominação e difusão de uma cultura de subserviência. Ela torna-se o guia que orienta os indivíduos em um mundo caótico e que por isso desativa, desarticula, qualquer revolta contra seu sistema. Isso quer dizer que a pseudo felicidade ou satisfação promovida pela Indústria Cultural acaba por desmobilizar ou impedir qualquer mobilização crítica que, de alguma forma, fora o papel principal da arte (como no Renascimento, por exemplo). Ela transforma os indivíduos em seu objeto e não permite a formação de uma autonomia consciente.

Sobre a Liberdade em Sartre


Para Sartre, como para outros existencialistas, existir é para o homem fixar alvos, persegui-los, projetar-se a si próprio em direção ao futuro. É ultrapassando os obstáculos que impedem a consecução destes objetivos, que o homem é livre. É através do transcender dos obstáculos que o filósofo chama o homem de “ser-para-si”, com base no nada (vazio) de sua existência, é livre a cada momento – já que Sartre nega o efeito de condicionamentos passados sobre a consciência. Desta forma Sartre afirma que “o homem é condicionado a ser livre”; por sua própria condição de ser. Mas a liberdade só se forma através do confronto, do embate; daquilo que Sartre chama de “situação”, obstáculo. Por isso o filósofo afirma que “só existe liberdade em situação e só há situação por meio da liberdade”.
Daí a questão da responsabilidade tão importante para o existencialismo, principalmente em Sartre. Para o existencialismo, o homem é mais livre quando se vê obrigado a escolher. A liberdade, além de ser inerente ao homem é valiosa, porque através dela o homem pode exercer sua dignidade e direito de escolha, à qual é condenado pela vida. E a liberdade escolhida implica assumir responsabilidades, assumir riscos. Em Existencialismo é um humanismo, Sartre nos diz que “o homem não é nada mais do que ele objetiva, ele só existe enquanto se realiza, ele é por isso, nada mais do que a soma de suas ações, nada mais do que a sua vida”. O argumento de Sartre é de que a completa liberdade de que gozamos – ou melhor, à qual estamos condenados – faz com que sejamos totalmente responsáveis por tudo aquilo que pensamos e fazemos. Escreve Sartre em Ser e Nada: “Sou o responsável por tudo, de fato, por minha responsabilidade mesmo, pois não sou o fundamento de meu ser. Portanto, tudo se passa como se eu estivesse coagido a ser responsável”.

“Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é, de submetêlo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens.” (SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 6. Os Pensadores).

O homem, ao delinear seu projeto, o faz na convicção de que o que é bom para si é bom para todos; a imagem do homem que desejamos ser é, ao mesmo tempo, a imagem do homem como julgamos que deve ser, de modo que nossa responsabilidade envolve toda a humanidade.  

Sobre a Liberdade em Kant

Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade. Como para derivar as ações das leis é necessária a razão, a vontade não é outra coisa senão razão prática. Se a razão determina infalivelmente a vontade, as ações de um tal ser, que são conhecidas como objetivamente necessárias, são também subjetivamente necessárias, isto é, a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a razão, independente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer, como bom.” (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Ed. 70, 1995.)

De acordo com a concepção ilustrada de Kant, segundo a qual a ação humana só tem mérito ético quando a vontade que a move for autônoma, ou seja, sabendo qual o dever a ser cumprido, ninguém precisa lhe impor o que deve ser feito. Kant afirma que há um Imperativo Categórico: “Age de tal modo que tua ação possa se tornar uma lei universal”. É desse imperativo que provêm os imperativos de dever, e também a lei moral. Em todas as ações praticadas pelo homem tal imperativo deve estar presente, para assim estabelecer critérios. Se a ação praticada é possível que seja tomada como universal.  Há ações praticadas pelo homem que são contrárias as leis da razão e por isso não podem ser universalizáveis, e essas ações só são possíveis porque o homem age pela liberdade. Evidencia-se assim que o conceito de dever é um conceito que possui um significado, e contêm uma legislação para as ações do homem, exprimindo-se no imperativo categórico.

Uma ação praticada por dever tem seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina: não depende, portanto da realidade do objeto da ação, mas somente do princípio do querer segundo o qual a ação, abstraindo de todos os objetos da faculdade de desejar, foi praticada [...] dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei [...] ora, se uma ação realizada por dever deve eliminar totalmente a influência dainclinação e com ela todo o objeto da vontade nada mais resta à vontade do que a possa determinar do que a lei objetivamente e subjetivamente.” (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Ed. 70, 1995.)


A liberdade, podemos afirmar então, não é o direito de fazer aquilo que se quer, e também não é fazer o que é imposto, mas a liberdade é o direito de fazer o que se deve. Quando o homem age por dever, então ele é livre. É o dever que implica a moralidade da ação. A liberdade, portanto, não é fazer qualquer coisa que se queira. A liberdade é, pois um poder moral, onde o dever está de forma intrínseca relacionada com uma finalidade.
A liberdade não significa independência de leis. Shenn afirma: “[...] a liberdade está condicionada à obediência da lei. Liberdade fora da lei não existe, só existe liberdade dentro da lei, seja ela científica natural, humana ou divina”. (SHENN, J. F. O problema da liberdade. Trad. Augusto de Melo Saraiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1947.) Pode-se citar o aviador, que só têm liberdade de voar e submeter-se a lei da gravitação, isto é, deve agir dentro da lei. Shenn também menciona que somos verdadeiramente livres quando obedecemos a finalidade ou a lei que fomos criados, alcançando a real liberdade, não fora da lei, mas dentro dela. De acordo com a concepção ilustrada de Kant, a ação humana só tem mérito ético quando a vontade que a move for autônoma,  vontade livre a partir do dever.