É possível ser sempre feliz?
O desejo da felicidade está no coração do homem, ela é caracterizada como o "bem supremo", não há nada mais superior para ser conquistado. Na visão do filósofo grego Aristóteles, a felicidade é decorrencia de uma vida boa, uma vida organizada pela razão de acordo com as virtudes. Esse bem se dá pela realização da plenitude da alma humana, é o produto do hábito de praticar ações virtuosas. Diferente da visão que possuimos na qual a felicidade se encontra nos bens de consumo, duraveis ou não duraveis, como carros, casas, moda, tecnologia, etc. Tais bens coadjuvantes se parecem necessários para a vida no mundo globalizado de hoje, no entanto, permanecem inacessíveis para muitas pessoas, e mesmo assim ainda são vistos como meios para a felicidade. Eles trazem bem-estar psicológico, fornecendo apenas uma felicidade provisória, incompleta, efêmera. Podemos afirmar que a felicidade é bem mais que isso, ela é uma espécie de "estado de espírito" que possibilita ao ser humano encarar a vida com uma postura de aceitação, e ao mesmo tempo buscando os bens interiores, aqueles que são constitutivos do ser. A busca do auto-conhecimento, do conhecimento do mundo, as práticas da coragem, do discernimento, da moderação, da justiça, da liberdade. Esses bens interiores possibilitam uma felicidade duradoura, não permanente, pois a condição do ser humano como ser finito é sempre de busca por uma vida boa.
"Ainda que não seja uma graça dos deuses, mas nos venha como corolário da exelência [virtude] e algum processo de aprendizagem ou exercício, a felicidade parece estar entre as coisas mais divinas, pois aquilo que é prêmio e a finalidade da excelência parece sumariamente bom e algo divino e bendito [...]. Para nós é evidente, em vista do que dissemos, que a felicidade é algo louvável e perfeito" Aristóteles. Ética a Nicômacos. 3ª Ed. Brasília: UnB, 1999.
O que significa ter uma vida boa?
No nosso tempo observamos frequentemente na mídia o realce a certas personalidades consideradas "bem-sucedidas". Seja no mundo empresarial, da moda, do meio artístico, na política, na ciência, tais pessoas são exaltadas por seu sucesso financeiro, por serem famosas, por obterem o "reconhecimento" do público. Nesse contexto ter uma vida bem sucedida é sinônimo de ter "êxito social", o que nos leva ao imperativo do êxito - dinheiro, fama e poder estão acima de qualquer outro objetivo. Provocando a banalização e a barbarização da vida: jovens modelos sacrificam sua saúde em busca de um corpo perfeito; empresarios em vista do lucro são capazes de submeter milhares de trabalhadores a condições precárias e subumanas; candidatos fazem de tudo para ganhar eleições (comprar votos , firmar acordos suspeitos, enterrar a ética). Estamos introduzidos mecanicamente a uma rotina frenética sem qualquer finalidade, estamos limitados a conquistar migalhas que sobram de uma lógica perversa que se autodestrói. Nosso tempo é marcado pelo desejo inaltêntico de consumo, o desejo de compreender nossa própria existência e essência se perde cada vez mais, temos dificuldade em diferenciar o que é viver, sobreviver, ter êxito e ter uma vida boa.
"Introduzidos mecanicamente e escapando cada dia mais ao controle dos Estados-nação, os processos históricos que afetam nossa vida cotidiana desenvolvem-se com uma rapidez provavelmente acelerada, mas sobretudo fora de qualquer finalidade visível. E, nessa perspectiva, viver, sobreviver e ter êxito tornam-se, quando muito, sinônimos - de fato, por essa razão, a "vida boa", seja qual for o sentido que possamos ter-lhe atribuído no passado, deve ceder seu lugar a "vida bem-sucedida" [...] ou fracassada. Por essa razão também, além do fracasso absoluto, que de maneira escandalosa equivale simplesmente a uma incapacidade de adaptação ao movimento generalizado, a principal ameaça que passa a pesar na existência, sem contar aquela da sua finitude, reside na insignificância, na banalidade e no tédio - que têm no seu crescimento exponencial do fenômeno da inveja um dos seus sinais evidentes." Luc Ferry. O que é uma vida bem-sucedida? Rio de Janeiro: Difel, 2004.
Por que precisamos aprender a viver?
Imaginamos que viver é "natural", nascer, crescer, reproduzir e morrer, no entanto, ao longo do percurso percebemos que viver é muito mais do que esse fluir espontâneo. A maneira como vivemos depende inteiramente de nossa aprendizagem e de nossas escolhas, que podem mudar a trajetória de nossas vidas. Por não ser completo nem predeterminado é uma das principais razões pelas quais o ser humano deve ser educado, para que possa desenvolver suas potêncialidades. O aprendizado da Filosofia é importante para aprendermos a viver, para conhecer razões, valores e ideais. Para tentar perceber o sentido da vida, buscando o conhecimento verdadeiro que pode nos levar a felicidade.
"Aprender a viver, aprender a não mais temer em vão diferentes faces da morte, ou, simplesmente, a superar a banalidade da vida cotidiana, o tédio, o tempo que passa, já era o principal objetivo das escolas da Antiguidade grega. A mensagem delas merece ser ouvida, pois, diferentemente do que acontece na história das ciências, as filosofias do passado ainda falam. Eis um ponto importânte que por si só merece reflexão." Luc Ferry. Aprendendo a viver: filosofia para os novos tempos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.